Críticos
e amantes da Música Moçambicana têm subestimado, injustamente, o Ghorwane
pós-Zeca Alage. Alexandre Chaúque, por exemplo, escreveu que, pós assassinato
de Alage, os Ghorwane “levantaram a cabeça e gravaram Kudumba, um disco
que, sem ter a performance de Majurugenta, deixa-nos claramente o rasto de um
conjunto maduro” (http://noticias.sinfic.pt/pls/notimz2/getxml/pt/contentx/22216). O que não corresponde inteiramente
à verdade.
É verdade
que Majurugenta tem do seu lado o
génio de Zeca Alage – que éra um autêntico monstro –, tem a carga mítica – o primeiro
álbum; praticamente com a encarnação original do grupo e alguns dos seus
executantes mais cintilantes; gravado e lançado pela Real World do grande Peter
Gabriel; o assassinato de Zeca Alage, pouco antes do lançamento do álbum –, e tem
sonoridade e estética características e únicas – que acabaram por definir o
estilo dos Ghorwane –, mas, Kudumba, de
1997, é um álbum melhor do que Majurugenta.
Kudumba é mais compacto, é mais equilibrado, é mais homogéneo e
igualmente brilhante. E tem um génio por detrás da sua concepção: Pedro Langa! Pedro
Langa éra um outro monstro.
Se Majurugenta é dominado por Zeca Alage e
seu saxofone, Kudumba é iluminado por
Pedro Langa e sua guitarra. A influência e o estilo de Pedro Langa aparecem por
todo álbum, e, sem desmerecer os outros compositores, suas músicas são fortes
demais. “U yo Mussyia Kwini”, “Vhory” e “Mamba ya Malepfu” são obras-primas.
No entanto,
o que realmente dita a superioridade de Kudumba
é o salto qualitativo que as composições de Roberto Chitsondzo deram do
primeiro álbum para o segundo. Chitsondzo voltou diferente: tocando uma
guitarra acústica/semi-acústica, com músicas mais mexidas, mais dinâmicas e contribuiu
com 3 grandes músicas, “Txongola”, “Sathani” e “Xizambiza”. É um Chitsondzo num
nível completamente diferente e acima daquele de Majurugenta.
E tem
também o fascinante Jorge César. Este contribui com outras 3 músicas soberbas.
Portanto,
quando, à monstruosidade de Pedro Langa, junta-se Chitsondzo no seu melhor e
Jorge César a virar genialmente o estilo dos Ghorwane de cabeça para baixo,
facilmente tem-se um álbum melhor do que Majurugenta
e muito mais do que isso: um álbum tremendamente portentoso!
Em última instância, Kudumba é uma resposta digna do espírito humano à adversidade e a
reafirmação da vida sobre a morte. Com o assassinato de Zeca Alage, que levara
a banda ao topo e deixara a fasquia muito elevada com o mítico álbum Majurugenta, os Ghorwane reergueram-se
e, longe de tentarem repetir a fórmula daquele álbum muito aplaudido,
reinventaram-se e foram longe, concebendo um álbum ainda melhor.
Em Kudumba, os
Ghorwane tentam novas abordagens sonoras para além dos ritmos nacionais.
Pedro Langa usa ritmos do Congo Kinshasa no final de “U yo Mussiya Kwini” e
experimenta ritmos à Salif Keita e Afro-Jazz em “Vhory”. “Salabude” e
“Progresso”, de Jorge César (a segunda escrita em conjunto com Carlitos Gove), têm
influência de música sul-africana (os Stimela em particular). E dão um início
afro-jazz à “Massotcha” de Zeca Alage. Roberto Chitsondzo é o único que mantém
a estética-Ghorwane, mas, com os
arranjos dados às suas músicas, acaba também em território sonoro estranho, sem
que deixe de ser efectivo e impressionante.
Uma grande banda, brilhante ao longo do álbum. Um
grande álbum do início ao fim, sem uma única música má ou fora do tom do álbum.
De longe, o melhor conjunto de músicas dos Ghorwane, muito bem estruturadas,
superiormente executadas, formando um álbum colossal. Provavelmente, o melhor
álbum moçambicano.
por
Niosta Cossa
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