quinta-feira, 26 de abril de 2012

Fela Kuti & Afrika 70 with Ginger Baker – Live!


Fela Kuti, em 1971, com o (na altura já) ex-baterista dos Cream, Ginger Baker. Eles cruzam-se e criam um som funk e afro o bastante para que as músicas tenham vida e ritmo, marcadas por passagens instrumentais, onde os instrumentistas vão alimentando a música e os ouvintes com seus talentos – principalmente os bateristas, Tony Allen e Ginger Baker.

A voz e canto de Fela Kuti estão melhores do que nunca; os Afrika 70 estão impecáveis; Ginger Bker está inspirado; as composições, para além de brilhantes, são das mais acessíveis e brilhantes que Kuti fez – ainda que longas; e estão a tocar ao vivo. Resultado: um dos melhores álbuns que o espírito humano tem para oferecer.

O espectáculo abre com força e em grande, quente,, com “Let’s Start”, e não pára nem esfria até ao final. Os gritos roucos de fela Kuti são inspiradores, e toda vibração e excitação da primeira música passam para a segunda,  outra música brilhante, “Black Man’s Cry”. Ainda assim, “Ye Ye De Smell” consegue ser melhor do que as duas primeiras músicas. Por fim, “Egbe Mi O” é uma poderosa música, com sabor jazz, vibração funk e apelo afro, que culmina com os “la la la la” e termina em êxtase o espectáculo, com sopros e excitantes gritos de Fela Kuti “Egbe mi o!!”, “Egbe mi o!!”, “Egbe mi o!!” (“Carregue-me que eu quero morrer!!”, “Carregue-me que eu quero morrer!!”, “Carregue-me que eu quero morrer!!”).

Este é realmente um álbum fantástico, maravilhoso, inspirado. Daqueles onde artistas de diferentes e distantes lugares cruzam-se e produzem magia. Um álbum grandioso que não foi repetido nem ultrapassado nem mesmo pelo grande Fela Kuti. Nem podia, afinal aqui tinha Ginger Baker – sem desmerecer Tony Allen – e uma inspiração sem fim – para além de que álbuns lendários são álbuns lendários, não são facilmente emuláveis.

por Niosta Cossa




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Thomas Chauke na Shinyori Sisters – Xidudla Kedibone (Shimatsatsa N° 25)


Se o melhor álbum de Thomas Chauke não for Bangi Situlu (Shimatsatsa Vol. 17), concerteza é Xidudla Kedibone (Shimatsatsa Vol. 25).

Xidudla Kedibone chega com Thomas Chauke totalmente definido sonoramente e ainda assim é surpreendente. As Shinyori Sisters – Conny Chauke, Ethel Chauke, Lucia Chauke, Evah Chauke e Florance Chauke – mantêm-se no seu (elevado) nível, perfeitas e cativantes. A guitarra de Thomas Chauke, o baixo de Thomas Mathonsi e a banda continuam em forma. O que mudou, para este álbum, foram as composições.

As músicas, em Xidudla Kedibone, estão mais secas, graves, entre a dança e a introspecção. As próprias melodias são mais melancólicas, alienadas – principalmente em “Macheleni”, “U Ta Dya Yini”, “Matiphina”, “Tidolla” e “Khombo”. Até mesmo as músicas concebidas para serem bem-humoradas – como “Haholova”, “Kedibone”, “Madyisa” e “Mafemani” – estão imbuídas de um humor perverso, triste, ressentido.

É um álbum negro, sinistro e desesperado, melancólico e alienado. É também uma obra-prima revigorante e reconfortante, por detrás de toda melancolia que transporta. É Magika no seu melhor, como em poucos álbuns se encontra.


por Niosta Cossa


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Gpro – Um Passo em Frente


O álbum que eternizou Duas Caras, e que colocou o Hip-Hop feito em Moçambique no mercado musical, nacional e internacional, como uma alternativa viável (e de sucesso). Este é também o álbum que transformou 100 Paus (ou Sem Paus) numa figura de culto, e que levou a Gpro ao topo do Hip-Hop Moçambicano.

Duas Caras éra bom demais, e, de imediato, foi aplaudido e reconhecido como o melhor MC que existia em solo moçambicano – à par de Flash Encyclopédia. Esta foi, na verdade, a sua primeira encarnação, antes de abandonar o Hip-Hop para à ele retornar, melhor e mais forte do que antes – desta vez, sim, como o melhor MC Moçambicano, visto que Flash parou no tempo.

100 Paus, em frente ao microfone, não éra tão bom quanto Duas Caras, e suas letras não eram criativas e desconcertantes quanto às do parceiro, mas éra eficiente, competente, o complemento perfeito para Duas Caras. Entretanto, no campo das produções, éra totalmente imbatível; (ainda hoje é) dos pouquíssimos produtores de Hip-Hop moçambicanos originais, identificáveis logo à primeira audição.

Produziu ouro puro a Gpro neste álbum, uma obra-prima da Música Moçambicana, contendo o clássico “País da Marrabenta”; a adorável “Jardins Proibidos Pt 2”, construída em volta de “I’ve Got a Song in My Heart” de Sara Tavares; a festiva “Gpro Show”, samplada de “Area Codes” de Ludacris (com participação de N’Star); a obra-prima “Kanimambo”; a genial “Interesseiras” (com a Dinastia Bantu); e a inspiradora “Até ao Fim” (feita com 3H e Master Bad).

Contrariamente ao que diz 100 Paus na música “Um Passo em Frente” – e também contrariamente ao que dizem muitos amantes e seguidores do Hip-Hop Moçambicano –, este não é o primeiro álbum de Hip-Hop Moçambicano por exemplo, os OKV já haviam lançado um álbum de Hip-Hop/Pop nos anos 1990; Fill Babe já lançara um álbum de Hip-Hop (com outros ritmos à mistura, por imposição da editora) também nos anos 1990; MC Roger já lançara um álbum que, esteticamente, éra de Hip-Hop (ainda que também com outros ritmos à mistura) também nos anos 1990, aliás, o próprio nome, “MC”, já denunciava que o Roger éra, efectivamente, um rapper no início da carreira; o nigeriano Shortly Shaw, lançado por MC Roger, já lançara também ele um álbum de Hip-Hop aqui em Moçambique.

O que éra realmente novo (e foi inovador em Um Passo em Frente), éra a postura completamente hip-hop do álbum: a concepção do álbum como um produto hip-hop, feito na sua totalidade por hip-hoppers, dentro dos códigos hip-hop, com linguagem hip-hop, comprometido com a “causa” hip-hop, a sua apresentação ao mercado musical como um álbum que não tinha outra intenção que não fosse ser encarado como um álbum hip-hop e, acima de tudo, como um álbum independente, que não vinha pela mão das editoras – até esta altura, as editoras forçavam os artistas de Hip-Hop a incorporarem outros ritmos comerciais nos seus álbuns como forma de garantir o “sucesso” do produto.

Portanto, Um Passo em Frente não foi o primeiro álbum de Hip-Hop Moçambicano, foi, isso sim, o álbum que definiu o padrão do que deveria ser um álbum de Hip-Hop (em Moçambique).

Onde Um Passo em Frente foi primeiro, foi no alcançar do sucesso como álbum de Hip-Hop e entrada para o mainstream. Deste modo, deu origem à todos álbuns (e artistas e grupos) que surgiram após o seu lançamento – grupos como 360 e Trio Fam já haviam furado por si mesmos o seu caminho para o mainstream, contudo, ainda não eram vistos, e não se viam eles próprios, como viáveis para o lançamento de álbuns.

Depois de Um Passo em Frente, as coisas não mais foram as mesmas. Duas Caras e 100 Paus tornaram-se estrelas – mais o primeiro do que o segundo. O Hip-Hop Moçambicano reinventou-se. A Música Moçambicana mudou. Nada mais foi o mesmo, para o melhor e para o pior.


por Niosta Cossa



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Peta Teanet – King of Shangaan Disco


O melhor momento de Peta Teanet e o ponto mais alto da sua carreira. A sua contribuição definitiva para o Shangaan Disco. Obra sublime e incomparável, recheada somente de grandes músicas. E também a sua despedida, com graça e estilo, do mundo dos vivos e a consumação dos seus talentos ímpares. Trágico e, ao mesmo tempo, uma reafirmação da vida sobre a morte.

O que tornou este álbum trágico foi o assassinato de Peta Teanet após sua concepção, facto que ele prevê e canta no álbum em duas faixas seguidas. Em “Mbilu Yo Biha”, fala de alguém à quem ensinara sobre a vida e que, no momento, queria tomar sua vida. “Andi Vileli” é praticamente a sua carta de despedida, onde canta que, não tem dinheiro, não tem pai, não tem mãe, não tem mulher, não tem filho, por isso, se morrer, ninguém sentirá sua falta.

King of Shangaan Disco é um álbum paranóico, cheio de medos, obscuro, habitado por demónios e fantasmas do autor. Ainda na abertura do álbum, “Xizambani”, já Peta Teanet está paranóico, cantando sobre os que queriam apossar-se do que éra dele. Em “Khoma Masseve”, quer apressar o seu casamento com a mulher que ama, pois, desconfia que, se demorar, a amada será tomada pelos que têm mais posses e/ou estudos do que ele.

O único momento de esperança e luz do álbum vem com “Vana”, onde procura reconfortar-se com a ideia de que os filhos vão (iriam) amparar-lhe quando crescerem (crescessem).

King of Shangaan Disco éra poderoso demais quando apareceu à meio da década 1990 e assim mantém-se. Dos 3 álbuns incontornáveis do Shangaan Disco – os outros são Shaka Bundu e Madala –, provavelmente o melhor seja mesmo este álbum do grande Peta Teanet. O verdadeiro king do Shangaan Disco.


por Niosta Cossa


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Penny Penny – Shaka Bundu


Quando Penny Penny apareceu com Shaka Bundu, nos finais da primeira metade da década de 1990, mudou tudo, e popularizou – pelo menos em Moçambique – um estilo que se chamava Shangaan Disco, que entre nós ficou vulgarmente conhecido como Xigumbaza. O Shangaan Disco (ou Xigumbaza) éra uma mistura frenética do Disco ocidental (de artistas como Bee Gees, Gloria Gaynor, Donna Summer) com o Magika de Gazankulo mais a música de artistas como Chicco Twala, cantada, principalmente, em Shangana (ou Shangaan ou Changana), a língua dos machanganas do sul de África.

Com um som continuamente envolvente; ritmos altamente dançáveis; letras vulgares, que abordavam situações do dia-a-dia; e roupas, corte de cabelo e danças super extravagantes, Penny Penny, para além dos muitos fãs e imitadores que arrastou, para sempre deixou-nos com a noção de o quanto éra fundamental que as músicas tivessem ritmo e não apenas mensagem e arte. Dos Electro Bass à Ta-Basily, pode-se sentir a influência de Penny Penny.

E que álbum Papa Penny fez! Uma obra-prima que só encontra par em King of Shangaan Disco (em Moçambique, o título é King of Xigumbaza) e Madala. Para além dos hits “Shaka Bundu” e “Shibandza”, tinha obras-primas como “Ndzihere Bhi”, “Shichangani”, “Dance Khomela” e “Milandu Bhe”.

Nos álbuns seguintes, Papa Penny repetiu a fórmula que usou para este clássico da Música Africana mas não voltou jamais a atingir o nível de Shaka Bundu. E o álbum continua tão excitante quanto o éra há quase 20 anos atrás. Único!


por Niosta Cossa


NB: este álbum foi baixado do blog Awesome Tapes From Africa (http://www.awesometapes.com/2010/04/penny-penny-shaka-bundu-side-1.html).


quinta-feira, 19 de abril de 2012

Fela Kuti & Afrika 70 - Zombie

Descomprometido, rebelde, extravagante e genial. Fela Ransome-Kuti, Fela Anikulapo Kuti, ou simplesmente Fela Kuti. Talvez o mais genial dos músicos africanos do séc. XX, provavelmente o mais prolífico e visionário, seguramente o mais influente e copiado, certamente o mais louco e longo de todos.

A máxima de Berry Gordy  – fundador da Motown, que costumava dizer “Don’t bore us, get to the chorus” (“Não nos mace, vá logo para o coro”) – Fela Kuti nunca escutou, e, se a escutou, nunca a levou à sério. As suas músicas duravam quase sempre acima dos 10 minutos, algumas vezes atingindo até os 25/30 minutios.

Zombie não foge à regra, este que habitualmente é considerado como sendo o melhor álbum do genial nigeriano.

Aquando do seu lançamento, em 1977, o álbum foi um grande sucesso. A música que dá título ao álbum éra um ataque ao exército nigeriano, chamando-o de exército de zombies, sem personalidade própria, que fazia tudo que lhes éra dito para fazerem. Claro, o governo e exército nigerianos não apreciaram a piada e reagiram com violência, espancando Fela Kuti (e as mulheres) e jogando a mãe pela janela, para além de incendiarem a comuna (República de Kalakuta) onde viviam.

Não éra para menos. “Zombie” é uma música intensa, frenética, avassaladora, que abre com um grande solo de saxofone, continua com um canto de chamadas e respostas e fecha em clima de festa.

As outras músicas do álbum – “Mister Follow Follow” e “Observation Is No Crime” são excelentes, no entanto “Zombie” é tão forte e transcendente que “minimiza” as outras.

Um grande álbum. Grande Fela Kuti!

por Niosta Cossa

Joaquim Macuácua – Teresinha Usasekile


Génio perverso e indecente, frontal e obsceno, passional e trocista, Joaquim Macuácua sabota o álbum Teresinha Usasekile do início ao fim, com cantos desajeitados e desinteressados. Ainda assim, Macuácua criou um excelente álbum. Ele a sabota, mas a música é tão forte que, por fim, sobrevive às sabotagens, e vai sobrevivendo ao tempo.

Álbum triste e frustrado, criado por/entre a provocação, a auto-paródia e o desconsolo, nos momentos em que Macuácua se mete em provocações – “Amisaven”, “Minda” – e troça de si mesmo – “Teresinha”, “Tsiketa Kurila” – o álbum ganha graça, mas mantém-se forte, e quando canta com sentimento, transcende – como na balada “Dlambo la Mumu”, uma obra-prima triste, das músicas moçambicanas mais tristes, poética e filosófica, onde recorda-se, com amargura, dos ensinamentos sobre a vida que os pais lhe transmitiram e ele não seguiu, e “Xikoxana xa Mulungu”, outra obra-prima, escrita contra os pais que se intrometem nas escolhas amorosas dos filhos. Outras músicas cantadas com sentimento, e que brilham no álbum, são “Nyanda Yeyo” e “Khombo Africa”, a última em que chora as vítimas da guerra civil moçambicana, que alastrou-se de 1977 à 1992.

Joaquim Macuácua éra indisciplinado e obsceno, mas também éra genial e convincente; defeitos e qualidades que serão encontrados em Teresinha Usasekile, entrelaçados, dando vida à este excelente álbum.

por Niosta Cossa

Mango Groove – The Great SA Performers


O som dos Mango Groove é distinto e característico, quente e festivo. É um som que leva o ouvinte à África, instantaneamente. O curioso (ou estranho ou doce mistério da vida) é que esta é(ra) uma banda multirracial sul-africana, formada em 1984, em plena época do Apartheid na África do Sul.

Fora as questões político-raciais, o verdadeiramente espantoso é a fantástica música da banda, inventiva e rica, vibrante e memorável, fundindo harmonias e melodias sul-africanas com a música Pop, criando ritmos insistentemente dançáveis e refrões/coros de fácil apanhado.

Esta é uma grande colecção de música festiva, oferecendo alguns dos melhores momentos de uma grande banda, talvez a maior, de música de dança sul-africana (e africana).


por Niosta Cossa


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quinta-feira, 12 de abril de 2012

Ali Farka Toure with Ry Cooder – Talking Timbuktu


O Blues Americano, fundido com ritmos do Mali, tocado com percussões e guitarras com pedais metálicos, e cantado em línguas africanas. O resultado, claro, foi um som híbrido, estranho, ainda assim, continuamente revelador.
Ali Farka Toure e o grande Ry Cooder criaram uma música que se parece com um sonho, onde tudo é possível, realidades distantes misturam-se, sons e ritmos distintos harmonizam e combinam entre si, mas tudo soa belo e natural, lógico, como algo que sempre existiu.
Contudo, terminado o álbum, apercebe-se que aquele mundo perfeito e continuamente excitante existe apenas em Talking Timbuktu. Fora dali não existe outro semelhante.
Talking Timbuktu, de 1994, é isso mesmo: é um álbum surreal, mágico, na linha de Fela With Ginger Baker Live! e Graceland, onde artistas de meios e mundos tão diferentes e distastes, atraídos uns pelos outros, criaram álbuns que, até hoje, são difíceis de categorizar e infinitamente grandiosos. Genial! Sem limites.

por Niosta Cossa

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Kandonga – Atenção: Desminagem!


O álbum que legitimou o cenário Underground no Hip-Hop moçambicano – o Underground, dentro do Hip-Hop moçambicano, é uma questão muito complexa; abordarei e explicarei o conceito no Tratado Sobre o Hip-Hop Feito em Moçambique. A obra que inspirou milhares de rappers moçambicanos. A obra-prima da Música Moçambicana gravada no estúdio Kandonga: Atenção: Desminagem!

Em 2003/4, apareceram 3 álbuns que mudaram e moldaram o que seria o Hip-Hop Moçambicano para o resto da década e para o início da década seguinte: Um Passo em Frente, Atenção: Desminagem! e Vida.

Dentre estes álbuns, Um Passo em Frente estava virado para o mainstream – tinha uma música calculada, leve, apelativa, comercializável (não confundir com comercial); foi um sucesso de vendas; mereceu divulgação ampla na imprensa; teve vídeos, que passaram regularmente nas televisões nacionais; gozou de conhecimento, aceitação e reconhecimento nacional; beneficiou de repercussão internacional; e os seus rappers tornaram-se estrelas após o álbum. Atenção: Desminagem! estava focado no underground – apresentava música descomprometida, rebelde, podre, sem apelo comercial e sem concessões; não teve vídeos (se teve, não foram divulgados); não sofreu divulgação fora do Circuito Hip-Hop; e não foi exactamente um sucesso de vendas. Vida éra uma síntese daqueles primeiros dois álbuns: continha ambos elementos, mainstream e underground – teve um single de grande sucesso (“Catorzinha”), que inclusive terminava, “comercialmente”, com Kuduro; porém, esteticamente, éra um álbum underground; entre os rappers, Lubengula éra mais mainstream e Young Lu éra mais underground; ainda assim, o álbum foi um sucesso (não exactamente de vendas, mas de aceitação e popularidade).

Cada um destes álbuns teve o seu impacto e influência. Atenção: Desminagem! deu origem e foi espelho para os álbuns (e grupos) underground. Centenas de álbuns, mixtapes, compilações, singles e grupos surgiram por conta de Atenção: Desminagem!, todos eles imbuídos da estética underground inaugurada neste álbum.

De essência, Atenção: Desminagem! é uma compilação das melhores (ou mais significativas) músicas gravadas no lendário estúdio Kandonga, que se situava num terraço do Bairro Malhangalene, Cidade de Maputo. Por consequência disso, é um álbum variado, díspar. No mesmo álbum encontra-se Fat Lara, Sociedade Anónima (nas suas variações Triplo 6 e Psycho Basement), Beat Crew e Face Oculta, artistas e grupos tão diferentes e distantes entre si em termos de agenda, ideologia, performance e forma de estar na música. No entanto, são essas variedade e disparidade que são o forte do disco, com cada participante a dar o seu melhor. Há tudo para (quase) todos os gostos underground – estranhamente não há Shackal. E, se Atenção: Desminagem! peca em alguma coisa, é mesmo na ausência de Shackal, um dos maiores ícones do cenário underground de toda a Música Moçambicana.

Os produtores executivos e directores artísticos do álbum escolheram eficazmente as músicas que fariam parte do álbum – as músicas têm produções que tendem a seguir ou a aproximar-se da mesma linha: produções secas, duras, alienadas – e incluíram introdução, skits e conclusão que ajudaram a fazer as transacções de música para música e, em última instância, unificaram o álbum.

Descontando aquele discurso maçador e vazio que se tornou recorrente no Hip-Hop underground moçambicano – onde ou só se fala de amor pelo Hip-Hop ou só se descreve as calamidades e atrocidades que vão abalando e afectando a vida do país, do mundo e das pessoas, como se nós precisássemos dos rappers para repararmos em tais assuntos –, o álbum é excitante. “A Fúria das Águas”, da Face Oculta, é, de longe, a mais madura e também a melhor música do álbum. “Parem a Violência”, da Squad Boss, é infinitamente inventiva, perversamente festiva e definitivamente brilhante, das melhores músicas moçambicanas. A Triplo 6 apresenta tudo que há de perigoso e fabuloso no Hip-Hop Underground Moçambicano, dando-nos uma visão tenebrosa e, ao mesmo tempo, sedutora de si mesmos e do ambiente musical de Maputo. E, para finalizar tudo, e em grande, Ivan O Terrível e Olho Vivo pariram, à custa de inspiração e talento, um spot genial para divulgação do estúdio Kandonga que é usado como conclusão do álbum.

Atenção: Desminagem! é um grande álbum, poderoso e inspirador, um fabuloso registo da “voz que nunca deve ser censurada, a juventude”. Um marco na História da Música Moçambicana.


por Niosta Cossa


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Paul Simon – Graceland


 
Paul Simon já éra um compositor celebrado antes de Graceland. Aliás, já éra o maior compositor Folk/Pop/Rock americano após Bob Dylan. Deixara já grandes álbuns gravados na companhia de Art Garfunkel (Parsley, Sage, Rosemary and Thyme; Bookends; Bridge Over Troubled Water) e grandes músicas à solo (“Slip Slidin’ Away”; “Kodachrome”; “Still Crazy After All These Years”; “Late in the Evening”). Portanto, já nada tinha para provar. Contudo, com Graceland, ele foi longe demais.

Foi longe demais na sua concepção – álbum feito e gravado, quase que na sua totalidade, com músicos sul-africanos, estava ainda a África do Sul sob o regime do Apartheid. Foi longe na composição – fundindo o seu tradicional Folk americano com o Mbaqanga sul-africano.

Familiar e, simultaneamente, estranho (em relação à Paul Simon), surpreendente e fascinante, um dos melhores álbuns que o Universo tem para oferecer, Graceland é o álbum que, para o mundo, abriu as portas da (e para a) música sul-africana, e, para o futuro, legou possibilidades inesgotáveis à World Music.


por Niosta Cossa


quinta-feira, 5 de abril de 2012

Jorge Ben - África Brasil


Embora Jorge Ben já tivesse levado a imaginação e a criatividade tão longe, na companhia de Gilberto Gil, no álbum Ogum Xangô, e já tivesse mexido com sonoridades africanas nesse mesmo álbum, África Brasil é simplesmente fantástico e espantoso, para além de inesperado.

Num álbum que soa e lembra África ao longo dos seus 40mins, as referências à África e/ou aos negros não se ficam pela sonoridade e pelo título apenas. “Umbabarauma” é um ponta de lança africano, goleador, que levanta estádios – premonição da aparição, na década de 2000, de Samuel Eto’o e Didier Drogba. “Hermes Trismegisto Escreveu” é sobre as 15 Leis Hermêticas do Universo atribuídas ao sábio/deus egípcio Hermes Trismegisto, recriada superiormente da música do álbum A Tábua de Esmeralda, “Hermes Trismegisto e a Sua Tábua de Esmeralda”. “Cavaleiro do Cavalo Imaculado” é um poema estranho, fantasioso, à Jorge Ben, sobre um ministro de toda África. A música que dá título ao álbum é uma recriação (ainda melhor) da música “Zumbi”, também do álbum A Tábua de Esmeralda (de 1972) – é sobre Angola do período da escravatura e uma homenagem à Zunbi dos Palmares, líder brasileiro de resistência contra a escravatura. “Xica da Silva” é a (famosa) história da escrava negra que virou senhora do Tijuco (actual Diamantina, Minas Gerais) – já foi adaptada para a televisão, em 1996, pela Rede Manchete (com o papel de Xica a ser desempenhado por Taís Araújo); para o cinema, por Cacá Diegues, aliás, esta música de Jorge Ben foi composta para o filme de Diegues (estrelado por Zezé Motta) e para as produções pornográficas pela produtora movida à prazer As Panteras (Xica interpretada por Cleo Menezes).

Mas nem tudo é sobre África. Tem a rendição à Zico (“Camisa 10 da Gávea”) e exaltação de “Taj Mahal” (ou da história por detrás da sua construção).

É o álbum definitivo de Jorge Ben, uma mistura de Samba com o Mbaqanga sul-africano e o Afrobeat de Fela Kuti. “Esse é o apogeu e o fim, ambas as coisas rolaram meio que simultaneamente. ‘África Brasil’ um dos álbuns mais incríveis de toda a discografia brasileira lançado em 1976… A partir desse álbum tanto musicalmente quanto graficamente os discos de Jorge nos deixaram a desejar” (http://sacundinbenblog.blogspot.com/2007/10/jorge-ben-frica-brasil_28.html). Aparece no livro 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, de Robert Dimery.


por Niosta Cossa

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Amoya – Cineta



Dentre os compositores monstruosos da música moçambicana – Jimmy Dludlu, Zeca Alage, Fani Mpfumu, Chico António, Pedro Langa, José Guimarães –, o mais experimental, o mais ocidental, o mais psicadélico é Chico António. Não foi por acaso que os franceses o estimaram – ganhou o Prémio Descobertas da Rádio França Internacional (RFI), em 1990, com “Baila Maria”.

Se todos os outros monstros estavam (estão) profundamente agarrados aos ritmos moçambicanos – com excepção de Jimmy Dludlu; talvez pelos seus avançados estudos de música, talvez por antes de ter enveredado por uma carreira à solo ter tocado e colaborado com vários músicos de diversos lugares, talvez por dedicar-se à um ritmo ocidental (Jazz) –, a música de Chico António gravita por vários horizontes. É música moçambicana com traços da música do Ocidente. Mais concretamente, são ritmos moçambicanos combinados com a Música Pop. Combinados genialmente.

Claro, não houvesse génio e eternidade em Cineta, e não fosse este um álbum inalcançável, não seria um grande álbum.

O grupo Amoya é outra versão do Grupo RM, uma versão que, à cabeça, tinha Chico António. Ele é o maestro do álbum: tem mais composições e estabelece o tom que o mesmo segue ao longo das suas 8 músicas.

“Baila Maria”, uma das obras-primas de Chico António – um dueto inspirado e inspirador com Mingas –, abre o álbum, com uma versão ainda melhor e mais rápida do que a que ganhara o prémio da RFI. E levam (Chico e Mingas) a inspiração mais longe ainda na música que dá título e encerra o álbum. Outra obra-prima de Chico António.

“Ndekele”, de Chico António e Mingas é também uma obra-prima. “Abram Alas” (Chico António) e “Xikongolotana” (Zeca Tcheco), as mais mexidas, não ficam atrás.

Cineta é, realmente, um grande álbum. É o testemunho do génio de Chico António e comprovativo da força do Grupo RM. É inspirador.


por Niosta Cossa


Orquestra Marrabenta Star – Independance



O supergrupo da Rádio Moçambique, na sua melhor versão, com a sua maior obra. Orquestra Marrabenta Star de Moçambique. Independance.

Composições geniais (do início ao fim e do fim ao início). Uma orquestra verdadeiramente estelar – provavelmente a maior performance de uma banda moçambicana num único álbum esteja neste álbum. Um grande baterista (Zeca Tcheco). Um dos maiores, senão o maior dos vocalistas moçambicanos (Wazimbo). A maior parelha de guitarras que se pode encontrar no Moçambique independente – vinda de Sox e José Guimarães. Uma secção de sopro formidável. Um ritmo demolidor, devastador, superior. O melhor álbum de dança que Moçambique tem para oferecer.

Não aparecerá outro álbum similar à Independance no repertório moçambicano. Um álbum monstruoso, gravado em Zimbabwe(1988) e lançado em 1989. Provavelmente, o melhor álbum moçambicano até aos nossos dias feito.


por Niosta Cossa

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