sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Xidiminguana – Nilhayissi

O velho Domingos Honwana! Xidiminguana do Bairro Maxaquene, zona do Mercado Compone. Um dos melhores músicos moçambicanos, e dos mais puros artistas que este país viu nascer.

Originalíssimo. A sua Marrabenta é inconfundível, linear, cadenciada, dançável. E tem uma maneira única de fazer, colocar e narrar os textos de suas músicas. As letras são tão reais, brutais, directas, perversas, normalmente longas e livres, narradas com intensidade poética e densidade cinematográfica. O velho Xidiminguana é o melhor, o mais genial letrista moçambicano.

No álbum Nilhayissi, os talentos do velho explodem completamente. A produção de Yé-Yé e o som da J&B Recording inspirado no Shangaan Disco de Gazankulo acasalam perfeitamente com as composições do velho. E ele acaba fazendo algumas das suas melhores músicas.

Nilhayissi é uma obra-prima, uma autêntica obra-prima. Profundo e dançável. Xidiminguana livre no estúdio, alegre, a soltar sua imaginação. Um dos melhores álbuns da Música Ligeira Moçambicana.


NB: na cassete do álbum vem que o álbum é de 2003, no entanto, numa das músicas do álbum (“Lavuya Viola la Mina”), Xidiminguana narra um episódio em que lhe foi assaltada a viola, e ele refere-se ao sucedido como tendo acontecido “no dia 12 de Dezembro do ano passado, 2003”.


por Niosta Cossa




quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Salimo Muhamed – Músicas de Salimo Muhamad



O ponto mais alto da loucura e da extravagância na Música Moçambicana: Simeão Mazuze, Salimo Muhamad!

Diz-se que o seu nome mudou (de Simeão Mazuze) para Salimo Muhamad à moda do pugilista norte-americano Cassius Clay: foi preso Simeão Mazuze, saiu da cadeia Salimo Muhamad, renascido.

Os seus concertos têm sempre um título diferente e, alegadamente, nunca (os concertos) se repetem. Nos últimos tempos, realizou “Kakata” (Sovina), “Madala wa Djeque”, “Mughurutchendje”, Xingove xi Dibi Mutchovelo” (“O gato entornou o caril”), “Djipolokoto Yeve” (que significa algo como fazer a cambalhota e cair de costas) e “Nyoka ya Mabalabala” (Cobra de muitas cores). E é ele quem fica na porta a vender e cobrar os ingressos: só após isso é que sobe ao palco!

Também é ele quem vende pessoalmente os seus discos.

Conta-se que, certa vez, num convívio familiar, um sobrinho seu pôs-se a tocar uma das suas músicas. Então, Salimo Muhamad foi ter ao sobrinho e pediu para ver o disco do qual estava a tocar sua música. E, quando descobriu que éra uma maquete pirata, partiu a maquete do sobrinho e foi-se embora!

Enfim, as duas músicas que fazem parte deste pacote foram gravadas, cada uma delas, por cada uma das suas metades. Ou seja, uma foi gravada como Simeão Mazuze (“Mamana Maria”) e outra como Salimo Muhamad (“Sambrowera Fandanga”).

Ambas são soberbas. Únicas. Incontornáveis. Principalmente “Sambrowera Fandanga”, que ganhou o Ngoma Moçambique – o programa radiofónico sobre a Música Ligeira Moçambicana mais importante do país, emitido pela Rádio Moçambique – em 1990.

“Sambrowera Fandanga” é um momento único de inspiração e criatividade, um momento de verdadeiro génio. Uma das obras-primas duradoiras de toda a Música Moçambicana. Com uma letra fragmentada e desconexa, durante toda a música, Salimo Muhamad faz uma grande corrida vocal. Canta magnificamente e perdidamente. Descrito numa só palavra: assombroso! Os mais de 6 minutos da música passam sem que o ouvinte dê por eles. Realmente maravilhoso! Um momento definitivo da Música Moçambicana, mesmo no cruzar da década de 1980 para 1990, abrindo caminho para tudo de maravilhoso que viria a seguir nessa década de 1990.

No entanto, quem melhor fala desta música é Amosse Macamo, e convém deixa-lo falar:

‘Sambrowera’ é para mim o pico da inspiração de Salimo Muhamad, música onde deixou suas várias faces saírem e, acima de tudo, onde libertou todo o seu ‘eu’, trazendo-o cá para fora.
Engraçado porque, da mesma forma que se expõe, acaba levantando um véu com recursos a palavras de difícil entendimento como o grito de início na música ‘Sambrowera’, onde diz: “cevernashe, cevernashe.”

Salimo nunca disse, e nem era sua tarefa dizer, o que significava “Sambrowera Fandanga” e outras palavras de difícil acesso que diz nas suas músicas porque, mesmo querendo, não saberia dizer. São palavras criadas em transe! Então, como explicar o que dissemos movidos por forças que ninguém pode compreender, como em ‘Sambrowera’?

E aqui está o forte desta música, a força que ela carrega, a mística, o ritmo carregado de convulsões que caracterizam o Salimo, o cantar como se seguisse um ritual, tal “nyamussoro” que encarna o espírito de outra pessoa e entra em delírios.

‘Sambrowera’ começa com um apelo aos gritos onde Salimo pede para que se abra janela ‘ibra janela, ibra janela’, um pedido que confunde pela sua autoridade.

Na verdade, para quem ouve, sente que não há ali nenhum pedido, senão, uma ordem. É como se estivesse sufocado e não aguentasse mais, dai que grita de dedo em riste e de olhos abertos como sabe fazer, ‘ibra janela’ como quem diz: se isso não acontecer não me responsabilizo pelas consequências.

Salimo tem demónios. Sim, daqueles que quando exorcizado por batuques e ngomas teimam em manter-se no corpo de quem os exorciza, porque são fortes. Salimo é forte, é múltiplo, a sua temática é híbrida e foge e sempre fugirá ao entendimento do homem comum, como eu.

Ora, cansado de tanto tactear para descobrir as palavras veladas de Salimo, tal como ele o fez um dia, procurei um curandeiro dos bons (Salimo já teve um curandeiro que o tratou para ser invisível), para me ajudar a interpretar as parábolas por si cantadas.

E fiquei toda a noite a dizer ‘Siavuma, Siavuma’, mas, verdade que é boa, não a tive e terminou o curandeiro, dizendo que o Salimo, tinha um diabo que o impedia de chegar a verdade. Que Salimo tivesse diabos já sabia, abandonei o ‘nyamussoro’, com vontade de nunca mais ouvir suas falácias.

Quando quase desistia, encontrei-me um dia com um destes meus amigos que desistiu da vida para se dedicar somente a reflexão e, depois de ouvir todos seus delírios, me segredou o inesperado: que conhece o significado da música ‘Sambrowera Fandanga’.

Confesso que senti um frio na espinha, meu cabelo levantou e fiquei atento. Em poucas palavras traduzo o pensamento do meu amigo, e que fique claro que apenas conto o que ele me contou, sem aumentar um ponto sequer.

Na sua óptica quando Salimo pergunta ‘Uta mulumula nwana lweyi mamanhana? Wahemba’ (se vais desmamar este filho? Mentira), o filho a desmamar, é o que na altura fazia guerra. Sendo impossível desmamá-lo (derrotá-lo), justamente porque seu filho, em clara referência a guerra entre os irmãos e/ou entre pai e filho.

E dizia: é mentira que te vais livrar deste filho. Pois, nem que te arrogues ser a andorinha que corta o pais de lés-a-lés, a sua velocidade (‘Uli u nkondjani ya tiku mamanhane/utaya kumana ni madala wa djeke/uni matendencia mamanhana’), não seria suficiente para evitares/fugires do madala wa djeque, entenda-se ‘rebeldes’, que montam emboscadas em todos os cantos. Pelo que deixa o orgulho de lado, e senta com esta gente e encontre a solução para o povo. Daí que o ‘ibra janela’, para logo de seguida determinar ‘senta boy’.

É sim, um apelo para que os irmãos se sentem e discutam a paz, porque ninguém é veloz o suficiente como andorinha (nkondjani), para fugir das balas da guerra (madala wa djeke) e se não o fizeres ‘uni matendencia mamanhane’, tens tendências.

E não podia terminar de outra forma o Salimo quando pede à sua mãe Maria para não chorar, porque seu filho voltou (He mamana Maria unga rile unga rile mamani, anwana wa wena afikile la muntine….), e o questionamento seria ‘De onde o filho retornou?’ Ou melhor, para voltar, teve um dia que partir. Mas para onde?

Antes do meu amigo me responder, larguei-o, porque estava a ficar confuso como nunca fiquei com esta música.

Agora, se os meus amigos leitores quiserem saber o final que o digam, porque mesmo confuso, poderei contar.

Mas, enquanto isso, vão ouvindo ‘Sambrowera’, como o oiço e com vontade de perceber o que Salimo queria e quem sabe um dia: ‘ibra janela’ e caia a verdade?

Mas esse “baralhar do esquema”, talvez seja o objectivo de Salimo com ‘Sambrowera’, fazendo com que todos nos batamos a cabeça, sem nunca chegarmos a verdade, porque nem ele a tem. E não tem diabos, esse?” (
http://mbila.blogspot.com/2009/04/sambrowera-fandanga-o-enigma.html).


por Niosta Cossa


Alexandre Langa – Magasso ya Mpfundla

Um dos maiores guitarristas moçambicanos – provavelmente o maior – e um dos melhores compositores da Música Moçambicana. Em palco, Alexandre Langa, éra elegante, grave, fechado, praticamente imóvel, mas muito competente.

Foi parceiro e líder da banda do velho Fany Mpfumo, o Rei da Marrabenta, e é o mais influente dos guitarristas moçambicanos, tendo o seu estilo moldado a Música Ligeira Moçambicana do pós-independência.

Este álbum, Magasso ya Mpfundla, é uma obra-prima absoluta. Uma mistura de Marrabenta e Magika e ritmos sul-africanos – onde Alexandre Langa viveu e tocou – impressionante, um álbum perfeito. Com 8 grandes músicas. De “Xiguevenga” a “Mpfula”, é um desfile sucessivamente impressionante de músicas brilhantes, com referências à queda do Império de Gaza (“Ngungunhana”), odes à independência do Zimbabwe (“Tinena”), lamentos de misérias sociais (“Madlaya Nhoka”), comentários sobre a guerra civil moçambicana (“Magasso ya Mpfundla”), relatos de violência em ambientes de bebedeira (“Va Bandzanile”), ironias contra a má escolha de parceiros amorosos (“Xiguevenga”), descrições do ambiente e comportamento rural de sua zona de origem, em comparação ao ambiente urbano, quanto às práticas alimentares (“Mpflula”) para além da condenação da incompreensão e descriminação de que eram vítimas os músicos na sociedade moçambicana (“Mugunda”).

Para além do toque gracioso e canto inconfundível de Alexandre Langa, Magasso ya Mpfundla é ainda abençoado pela presença de Kid Malume e sua voz áspera, mas sedutora, nos cantos de apoio.

Um clássico do velho de Ndhaveni, genial compositor e guitarrista, aqui reeditado pela J&B Recording.


por Niosta Cossa




Antonio Marcos – Ntsantsantsa - 2

Ntsantsantsa – 2 é um grande álbum. Ainda melhor do que Wamangava Ntsantsantsa. E mais negro: mais deprimido e menos divertido do que Wamangava. E ainda mais corrido.

Onde Wamangava Ntsantsantsa éra embalado por teclados, Ntsantsantsa – 2 é puxado pelo contra-solo de um(s) guitarrista(s) que a J&B Recording presta o (mau) serviço de não dizer quem é (ou são) – se os responsáveis desta editora gastassem menos tempo a timbrarem a capa com o logotipo da empresa e, no lugar disso, se preocupassem em fazer constar das capas a ficha técnica ou, no mínimo, a data de edição dos álbuns, a Música Moçambicana agradeceria e melhoraria muito. E os estudiosos da Música Moçambicana detestariam menos esta editora.

Não é um álbum facilmente perceptível. Só no fim, após a melancólica e tremenda “Ntafa Hikulunga”, com “Satnuma” é que se começa a desconfiar que se pode estar perante um grande álbum. O que é confirmado após novas audições.


por Niosta Cossa