quinta-feira, 29 de março de 2012

Jimmy Dludlu – Echoes from the Past


Echoes from the Past, o álbum inicial de Jimmy Dludlu, aparecido em 1997, estabeleceu um novo padrão para a composição da música em Moçambique. Definiu claramente o subgénero que em Moçambique é conhecido como Afro-Jazz. Elevou o trato da guitarra para um nível nunca antes experimentado em terras moçambicanas. E mostrou que a música instrumental – a música de Jimmy Dludlu é basicamente instrumental – podia ser apelativa e comercial no mercado musical moçambicano.

Depois de Echoes from the Past, para o bem e para o mal, os temas e títulos imaginários e abstractos tomaram de assalto o universo dos guitarristas e a própria música moçambicana – passou a ser comum temas e títulos sobre o sonho, a viagem, a dimensão, o equilíbrio, o ponto de vista, etc.

Antes de Echoes from the Past, já se podia encontrar o Afro-Jazz nas músicas de artistas como Hortêncio Langa e João Cabaço, mas não tão claramente e de maneira nítida como apareceu neste álbum. Em Moçambique, Echoes from the Past é que definiu e popularizou o género.

Jimmy Dludlu, com o álbum, rompeu com a maneira como todos guitarristas moçambicanos antes dele tocavam e trouxe um estilo original, poderoso, monstruoso, superior. Foi uma evolução tremenda; por isso, não tardou que muitos álbuns de guitarristas ou bandas baseadas em guitarristas inundassem o mercado discográfico moçambicano.
Fora as revoluções que introduziu, Echoes from the Past é um grande álbum. O olhar triste e introspectivo que paira sobre “Zavala” desagua no groove e força de “Motherland” com seu final latino, encontra par na melancolia de “Linda” e revive na beleza de “Malala”, um tema vivo, com Groove funk e variação Ska. A tocante colaboração com Judith Sephuma, em “Thula”, não fica atrás e “Nolwazi” também é impressionante. “African Dimensions” é vibrante e excitante e África no seu melhor. “Rosa Mali” soa à música da América Latina, tem uma linha de baixo que lembra os Parliament de Mothership Connection e ainda consegue ser fortemente africana.

Os momentos baixos do álbum são aqueles em Jimmy Dludlu descai mais para o Jazz – como na música que dá título ao álbum e em “War and Starvation”. Mr. Dludlu e mais forte quando está apegado ao Afro.

Echoes from the Past dá-nos o genial Mr. Dludlu secundado por  grandes executantes – Fana Zulu, Lucas Khumalo, Frank Paco, Mark Goliath, John Hassan, Tony Paco – e oferece-nos um conjunto de músicas impressionante. 15 anos passados sobre o seu lançamento, o álbum continua a impressionar, e continuará por muitos anos.

por Niosta Cossa

Kapa Dêch – Katchume


O álbum que mudou a música moçambicana. O grupo de jovens que se intrometeu entre os gigantes da música – Ghorwane, Eyuphuro, Orquestra Marrabenta Star (ou Grupo RM)… – conquistou o seu lugar como uma das maiores bandas moçambicanas.

Katchume mudou o panorama da música jovem, alargou as possibilidades para a música moçambicana e redefiniu a atitude das bandas moçambicanas no geral.

Numa altura em que os jovens músicos moçambicanos já começavam a fazer sucesso – casos de Electro Base, MC Roger, Swit – mas sem arte alguma, os Kapa Dêch trouxeram um outro paradigma: mostraram que os jovens não eram apenas capazes de fazer sucesso com música fútil ou pimba; podiam fazer sucesso com estilo, com talento e, acima de tudo, com grandes músicas e grandes executantes.

Os Kapa Dêch eram uma grande banda. Em Katchume, apresentaram um grande guitarrista (Dodó Firmo) e, principalmente, um grande vocalista (Tony Django) e um grandessíssimo baixista (Mitó Guambe). Tony Django cantava imensamente e de forma apaixonada. Mito tocava muito, éra um monstro; as suas marcas estão por todo álbum, e ele e Almeida Ngoca formaram uma secção rítmica poderosa, a mais forte que se pode encontrar nos álbuns moçambicanos. Zé Pires e Rufus estão imbatíveis nos teclados e Pilecas, na percussão, está excelente. E tinha também o apelativo canto de Roberto Isaías.

Álbum que, em estilo, éra uma fusão da música dos Stimela, com ritmos do sul de Moçambique, mais ritmos do Zimbabwé, Congo Kinshasa, em cruzamento com a música Pop, e, em concepção, devia muito à Kudumba dos Ghorwane, os Kapa Dêch transformaram todas essas influências em algo que, não sendo novo, éra único, poderoso e excitante.

Katchume é um álbum condensado, cheio de detalhes, de subtilezas, e, ainda assim, é um álbum corrido. Um triunfo da juventude, do início ao fim, não se fica quieto, não há espaço para reflexões, introspecções, expansão da alma e calma – até “Sumbi” de Roberto Isaías, que começa calma, acaba agitada.

Aparecido em 1998, Katchume fechou com categoria uma década de ouro para a música moçambicana em termos de produção de álbuns. É o álbum definitivo da década 1990. Reúne e resume em si tudo de bom e de grande que havia sido feito anteriormente na música moçambicana e abre o caminho para o que viria na década seguinte.

Para o bem e para o mal, Katchume “tirou” o “monopólio” das tendências e do mercado musical que, então, estava nas mãos dos gigantes “velhos” da música moçambicana e abriu o caminho para centenas de bandas jovens que começaram a surgir por todo Moçambique. Foi graças à Katchume que puderam aparecer (e ter sucesso) bandas como Djaaka, Massukos, Mussodji. No entanto, nenhuma outra banda conseguiu fazer um álbum tão obstinado, perfeito e perdurador como Katchume. Nem mesmo os próprios Kapa Dêch conseguiram chegar ao nível de Katchume novamente e, com as mortes de Tony Django e Pilecas, ambas ocorridas em 2010, mais difícil ficou para eles fazerem algo tão elevado de novo, agora que nos aproximamos do 15 aniversário do álbum.

De qualquer das maneiras, o legado de Katchume (e dos Kapa Dêch) é grande, e o álbum continua vivo e desconcertante, intocável e imaculado. Talvez o melhor álbum moçambicano até a data. Katchume!

por Niosta Cossa
http://www.4shared.com/rar/1XI3-JjN/KD_-_K__1998_.html

Ghorwane – Kudumba

Críticos e amantes da Música Moçambicana têm subestimado, injustamente, o Ghorwane pós-Zeca Alage. Alexandre Chaúque, por exemplo, escreveu que, pós assassinato de Alage, os Ghorwane “levantaram a cabeça e gravaram Kudumba, um disco que, sem ter a performance de Majurugenta, deixa-nos claramente o rasto de um conjunto maduro” (http://noticias.sinfic.pt/pls/notimz2/getxml/pt/contentx/22216). O que não corresponde inteiramente à verdade.

É verdade que Majurugenta tem do seu lado o génio de Zeca Alage – que éra um autêntico monstro –, tem a carga mítica – o primeiro álbum; praticamente com a encarnação original do grupo e alguns dos seus executantes mais cintilantes; gravado e lançado pela Real World do grande Peter Gabriel; o assassinato de Zeca Alage, pouco antes do lançamento do álbum –, e tem sonoridade e estética características e únicas – que acabaram por definir o estilo dos Ghorwane –, mas, Kudumba, de 1997, é um álbum melhor do que Majurugenta.

Kudumba é mais compacto, é mais equilibrado, é mais homogéneo e igualmente brilhante. E tem um génio por detrás da sua concepção: Pedro Langa! Pedro Langa éra um outro monstro.

Se Majurugenta é dominado por Zeca Alage e seu saxofone, Kudumba é iluminado por Pedro Langa e sua guitarra. A influência e o estilo de Pedro Langa aparecem por todo álbum, e, sem desmerecer os outros compositores, suas músicas são fortes demais. “U yo Mussyia Kwini”, “Vhory” e “Mamba ya Malepfu” são obras-primas.

No entanto, o que realmente dita a superioridade de Kudumba é o salto qualitativo que as composições de Roberto Chitsondzo deram do primeiro álbum para o segundo. Chitsondzo voltou diferente: tocando uma guitarra acústica/semi-acústica, com músicas mais mexidas, mais dinâmicas e contribuiu com 3 grandes músicas, “Txongola”, “Sathani” e “Xizambiza”. É um Chitsondzo num nível completamente diferente e acima daquele de Majurugenta.

E tem também o fascinante Jorge César. Este contribui com outras 3 músicas soberbas.

Portanto, quando, à monstruosidade de Pedro Langa, junta-se Chitsondzo no seu melhor e Jorge César a virar genialmente o estilo dos Ghorwane de cabeça para baixo, facilmente tem-se um álbum melhor do que Majurugenta e muito mais do que isso: um álbum tremendamente portentoso!

Em última instância, Kudumba é uma resposta digna do espírito humano à adversidade e a reafirmação da vida sobre a morte. Com o assassinato de Zeca Alage, que levara a banda ao topo e deixara a fasquia muito elevada com o mítico álbum Majurugenta, os Ghorwane reergueram-se e, longe de tentarem repetir a fórmula daquele álbum muito aplaudido, reinventaram-se e foram longe, concebendo um álbum ainda melhor.

Em Kudumba, os Ghorwane tentam novas abordagens sonoras para além dos ritmos nacionais. Pedro Langa usa ritmos do Congo Kinshasa no final de “U yo Mussiya Kwini” e experimenta ritmos à Salif Keita e Afro-Jazz em “Vhory”. “Salabude” e “Progresso”, de Jorge César (a segunda escrita em conjunto com Carlitos Gove), têm influência de música sul-africana (os Stimela em particular). E dão um início afro-jazz à “Massotcha” de Zeca Alage. Roberto Chitsondzo é o único que mantém a estética-Ghorwane, mas, com os arranjos dados às suas músicas, acaba também em território sonoro estranho, sem que deixe de ser efectivo e impressionante.

Uma grande banda, brilhante ao longo do álbum. Um grande álbum do início ao fim, sem uma única música má ou fora do tom do álbum. De longe, o melhor conjunto de músicas dos Ghorwane, muito bem estruturadas, superiormente executadas, formando um álbum colossal. Provavelmente, o melhor álbum moçambicano.

por Niosta Cossa

En Bee The Drifa – Músicas de Drifa



 
Drifa (foto baixada do Facebook)

O maior xingondo que alguma vez se aproximou de um microfone para repar: En Bee The Drifa. Como ele não há outro vivo, e ainda vai demorar para que apareça.

Rapper “nativo de B-Town, um dos pioneiros do movimento hiphop beirense” (http://xitapora.blogspot.com/2008/03/drifa-o-hip-hop-no-esta-bem-porque-os.html), corre neste jogo “desde 1994, sem interromper o acto” (“Um Só Movimento”), com estilo próprio e de maneira única, tendo, gradualmente, se tornado um dos seus melhores executantes.

Trago, neste pacote, músicas soltas que Drifa foi gravando e/ou colaborando antes da aparição do seu álbum. No total, são 4 músicas daquele período, mais uma, “Curta”, excelente música – que conta com partições de Makarov, Izlo e Van C –, aparecida posteriormente, que decidi incluir no pacote como um sumário dos seus talentos.

Nas músicas incluídas no presente pacote, para além do clássico “Aproxima-te”, estão apenas músicas gravadas no (que está para ser) lendário estúdio que um dia existiu no Bloco 04, Beat Masters.

Sobre “Aproxima-te”, uma das melhores músicas do nosso Hip-Hop, pouco ou quase nada restou por se dizer. Até hoje me pergunto como pôde alguém pensar, produzir, escrever e executar imaculadamente em 5 minutos e 18 segundos uma música de puro génio.
“Agora é hora de pegar o micro
Obedeça o teu destino
Se repas mal, não há stress, eu te ensino
Afasta as pedras que aparecem no caminho
O meu pescoço sangra, mas eu não me inclino”


He’s the greatest! Por causa do álbum “Muitos Chamados, Poucos Escolhidos”, levei um bom tempo pensando que Drifa não éra um grande MC. Em 2007, quando descobri Drifa, o que primeiro escutei dele foi mesmo o álbum Muitos Chamados, Poucos Escolhidos. Uma obra-prima. Contudo, aquele álbum para o grande talento de Drifa é, de alguma forma, rapisticamente falando, modesto. Os seus talentos de MC não explodem completamente no álbum. O que o álbum revela é a visão única e magistral do artista. Um álbum brilhantemente concebido pelo mais genial dos xingondos rappers que nasceram nesta pátria.

Num artigo sobre o álbum, que escrevi na altura, em 2007, para o Panfleto d’Eskerda, cheguei a escrever que Drifa não éra um grande MC como Demo ou Duas Caras. No entanto, hoje, em 2012, eu retiro tudo que escrevi na altura. Depois de ter apanhado e escutado outras músicas, para além do álbum, a minha opinião teve que mudar.


O homem não tem par em frente à um microfone. É único. Em “Um Só Movimento”, brincou com o brilhante beat que ele mesmo produziu e massacrou liricamente o Sistema Aliado e Réu 0812, em uma das melhores músicas alguma vez gravadas na Beat Masters.

“Neste movimento não me interessa vens donde
Nem quando começaste a repar
Hoje ou ontem
Somos todos cães a ladrar
Pelo mesmo bone
E o nosso dono é um só: microfone

Quantas mais rimas tenho que escrever para te fazer entender?
Não interessa o number, escreva, eles vão perceber”


Na música-spot gravada para o estúdio Beat Masters, com o seu grupo Náuseas, junto com Máscara Negra, Baby Cash e DAC (hoje chamado de Makarov), produzida por No Blast, Drifa espalha talento e fantasia.

Por fim, neste pacote que tomei a liberdade de chamar Músicas de Drifa, vem a música “Bounce Vs Underground”. Uma grande música! Também produzida por No Blast, com participações da Dinastia Bantu e -2X. Sempre profundo e distinto, numa música gravada com o intuito de unir as desavindas alas fresh (Bounce) e rough (Underground) do Hip-Hop feito em Maputo na primeira metade da década 2000, só mesmo Drifa poderia dar-nos versos como:

“Yo, niggas apontam-se e arrastam a raiva por séculos
Querem puxar a sardinha underground para os seus becos
Outros querem empurrar o Bounce para os prédios
Fucked up, o respeito só está nos versos”


por Niosta Cossa

Eyuphuro – Mama Mosambiki



Mama Mosambiki, o álbum de estreia da banda nampulense Eyuphuro, é o álbum moçambicano mais homogéneo e mais imaculadamente trabalhado.

À primeira, parece um álbum acústico simples, bem tocado e lindamente cantado; uma bela evocação de Nampula. Contudo, Mama Mosambiki é simples apenas na aparência (e na instrumentalização). É um álbum difícil, complicado, profundo, meticulosamente trabalhado.

Quando se presta atenção à maneira como as guitarras são tocadas, o toque denso e detalhado; ao jeito como a percussão preenche a música, com os seus ritmos e breaks; a superioridade dos cantos, às harmonias vocais masculinas e ao canto de Zena Bacar, que é tão doce e dolorido quanto a vida; e ao baixo que, lá no fundo e despercebido, mantém a música pulsante e viva; apercebe-se da complexidade e portento da obra. Uma obra-prima da música moçambicana. Provavelmente o melhor álbum moçambicano até hoje gravado. Em qualidade de composição, execução musical e riqueza de detalhes, talvez só Katchume, Kudumba e Independance se comparem.

Só que Mama Mosambiki não tem só qualidade. É também intemporal, resiste ao tempo. O tempo passa – fazem mais de 20 anos desde a sua concepção – e o álbum mantém-se tão fresco e actual.

Sem músicas más, desde a brilhante abertura, com “Samukhela”, até ao desconcertante fecho, com “Nuno Maalani”, Mama Mosambiki é um álbum que não baraca. Um álbum perfeito, (de nível africano, e até mundial)!

Em Moçambique, depois de Mama Mosambiki, principalmente na década de 1990, apareceram grandes álbuns, álbuns que corroíam a alma, álbuns que reafirmavam a vida, álbuns que desafiaram os limites da música moçambicana, álbuns que mudaram paradigmas, mas nenhum foi tão distinto quanto Mama Mosambiki. Dentro da música moçambicana, Mama Mosambiki, de 1990, é único, algo inventado pelos Eyuphuro, sem paralelo nem anteriormente nem posteriormente. É a obra incontornável e inimitável do furação de Nampula.

por Niosta Cossa



http://www.4shared.com/rar/YIyEvo8n/E_-_MM__1990_.html

Thomas Chauke na Shinyori Sisters - Bangi Situlu (Shimatsatsa Nº 17)



No Bangi Situlu (Shimatsatsa Nº 17), foi onde Thomas Chauke aperfeiçoou sua música e dotou-a da sonoridade típica por que se reconhecem suas músicas hoje em dia. Claramente, o mais acessível, o mais polido e, de longe, o seu melhor álbum – com excepção talvez de Xidudla Kedibone (Shimatsatsa Nº 25)Bangi Situlu (Shimatsatsa Nº 17) é a melhor porta e melhor álbum para se entrar para o universo musical de Chauke.

Com grandes músicas do início ao fim, incluindo os hits “Rosa” e “Na Twanana” e as obras-primas “Bosimani”, “Ntwanano”, “Wo Tiyisela”, “Watika”, “Vana Vavanwani” e ainda a vibrante e fantástica música que abre e dá título ao álbum, “Bangi Situlu”. Thomas Chauke fez um álbum memorável, acompanhado pelas sempre estimulantes Shinyori Sisters.

por Niosta Cossa

http://www.4shared.com/rar/LYx04gOv/TCnSS_-_BS__BB__-_S17.html

quinta-feira, 15 de março de 2012

Ghorwane – Majurugenta





Majurugenta é o primeiro álbum dos Ghorwane, provavelmente a mais influente banda moçambicana e seguramente a mais importante surgida após a independência do país.

Obra concebida na viragem de uma era, gravada em 1991, nos estúdios da Real World – antes do Acordo Geral de Paz rubricado entre as forças beligerantes do partido/governo da FRELIMO e a guerrilha da RENAMO, em 1992, após uma longa guerra civil que durou 16 anos –, e lançada em 1993, já em período de paz, é um álbum carregado de sentimentos e emoções próprias da época. A banda no seu melhor, com alguns dos melhores executantes que por lá passaram – Zeca Alage, Tchika Fernando, Carlitos Gove, Riquito Mafambane e Celso Paco –, o álbum soa como se a banda estivesse dividida entre a alegria de finalmente poder gravar um disco e a frustração de viver em uma terra em guerra.

Os compositores, principalmente Zeca Alage, soam desesperados e desconsolados. O álbum começa intensamente com a força e ritmo de “Muthimba”, uma das melhores músicas do disco e do grupo, e, logo no primeiro verso, Zeca Alage anuncia apocalipticamente que “Kuyo sala ku xaniseca” (“Só restou sofrimento!”). Daí em diante o desespero toma conta do álbum.

Em seguida, entra a música que dá título ao álbum, “Majurugenta”. Outra música de Zeca Alage. Uma obra-prima absoluta. 07 minutos e 44 segundos – na capa do disco a música foi creditada como tendo 07:42min – que passam sem que o ouvinte dê por eles. Da magnífica abertura da guitarra, passando por todo acompanhamento instrumental, com as geniais variações do baixo, a música segue tensa, lenta, levada pelo canto petrificante até a torrente final de sopros e percussões. Alexandre Chaúque, na edição online do jornal Notícias, escreveu que “foi com “Majurugenta” que Zeca Alage nos avisou quem era ele, de facto. Com aquele trabalho atirou-nos em definitivo para a esteira onde nos devíamos ajoelhar para ele passar” (http://noticias.sinfic.pt/pls/notimz2/getxml/pt/contentx/22216). E não mentiu.

Após “Matarlatanta” de Roberto Chitsondzo, Zeca Alage volta com mais duas grandes composições, “Xai-Xai” e “Mavabwyi”. A primeira, uma “sad and powerful song”, como a descreveu Gerry Leisight no encarte do disco e, a segunda, a mais mexida música do álbum, sem que, contudo, deixe de ser triste e desesperada. Estranhamente, “Mavabwyi”, que nas notas do disco é descrito como retratando o período logo após a independência do país, ocorrida em 1975, fazia muito mais sentido em 1993, com o dilema do SIDA, que já se tornava mundialmente famoso, e faz muito mais hoje, onde se vai morrendo cada vez mais e repentinamente nos hospitais (Amosse Macamo, do blog Modaskavalu, também diz algo parecido sobre “Mavabwyi”, contudo escrevi sobre a música antes que tivesse lido a sua postagem naquele blog).

Efectivamente, Zeca Alage acaba contribuindo com apenas 4 músicas para o álbum. No entanto, ele domina o álbum. As suas músicas é que dão direcção e foco ao álbum, e, por todo álbum, podem-se ouvir os seus sopros e a sua marca.

O resto do álbum é composto de músicas de Roberto Chitsondzo, dentre as quais se destaca “Sathuma”. Uma música calma e repetitiva, que embala o álbum e o ouvinte para o estranho e dramático mundo de Chitsondzo.

Para quem vem aquecido pelas muthimbas de Zeca Alage, a segunda metade do álbum soa à uma chatice sem fim nas primeiras audições. As músicas de Chitsondzo parecem estar no lugar errado e o álbum sabe à falta de coesão. No entanto, à cada nova audição, as composições de Chitsondzo, vão se revelando e impressionando.

As músicas de Chitsondzo são muito mais leves e simples do que as de Alage, mas como o canto de Chitsondzo é dramático e suas composições lentas, praticamente sem vida, acabam sendo tão sombrias quanto as de Zeca Alage.

A música de encerramento espelha melhor o humor do álbum e das composições de Roberto Chitsondzo. Com “Akuhanha”, não se entende se a banda está a celebrar ou a chorar. A única coisa que se discerne é desespero.

por Niosta Cossa

http://www.4shared.com/rar/rd4Di3Iz/G_-_M__1993_.html

quinta-feira, 8 de março de 2012

Face Oculta – Músicas da Face Oculta

 
Face Oculta (foto tirada do www.classicohiphoptime.blogspot.com)

O homem que nos momentos de incerteza e escuridão “carrega nas costas o movimento hip hop nacional” (Hip Hop representado no "Aquario Soul", www.classicohiphoptime.blogspot.com) e que procura na música um lugar “para ser eterno” (idem). A sua carreira poderia muito bem ser descrita como a trajectória do próprio Hip-Hop feito em Moçambique. A mais controversa, a mais amada e, ao mesmo tempo, mais odiada figura do Hip-Hop que ajudou a construir e ao qual deu sentido. O mais actuante, o mais influente personagem do movimento urbano/suburbano musical emergido nos inícios da década de 1990 na cidade de Maputo. Aquele que, definitivamente, será reconhecido como o maior hip-hopper moçambicano de sempre: Hélder Leonel Malele.

Hélder Leonel, Lil Brother H, Face Oculta, DJ Malele, são as diferentes faces e nomes do homem que revolucionou o Movimento Hip-Hop moçambicano e deu significado e algo por que lutar à uma geração.
Apesar de eu e ele, algumas vezes, termos posicionamentos divergentes – por exemplo, desde 2007 que eu não concordo que o Clássico Hip-Hop Time passe Hip-Hop internacional, numa época em que existe muita música nacional boa e suficiente, e, por conta disso, de lá para cá, nunca mais escutei nem mandei música minha para aquele programa, portanto, não sei se ainda passa ou não Hip-Hop internacional no programa – eu reconheço Hélder Leonel como o Hip-Hopper Número 1 do Norte ao Sul e do Zumbo ao Índico.

Contudo, sobre a complexa e longa carreira de Hélder Leonel, estou a escrever vastamente e profundamente e exaustivamente, exactamente como vasta e profunda sua carreira é, no Tratado Sobre o Hip-Hop Feito em Moçambique que estou a elaborar.

Nestas linhas, vim, especificamente tratar do rapper/produtor Face Oculta. E vim trazer, em ordem cronológica inversa, 3 magníficas músicas gravadas sob esta faceta. Músicas tiradas de diferentes fontes, juntei-as num único pacote, ao qual atribuí, livremente, o título de Músicas da Face Oculta.

A primeira, “Balanço Inspirador”, produzida pelo Paiol Sonoro, para o single “Tsunela Ka Muloro” daquele colectivo, é uma música Rap, curta, concisa, inspiradora, balançando entre o Neo Soul e o R&B, entrando e saindo do Jazz até atingir o seu ponto alto já perto do fim, quando Face Oculta, genialmente, expõe a sua visão sobre o estágio actual do Hip-Hop feito em Moçambique:

“Vejo tanta quantidade com pouca qualidade
Mas nessa qualidade vejo pouca dignidade”

De qualquer das maneiras, Face Oculta não é de demorar-se nem é de escrever rimas desnecessárias. É o exemplo maior de rigor e talento no Hip-Hop Moz. Escreve o suficiente e canta com sobriedade. Aliás, menos, não seria de se esperar. “Voz antiga no activo”, “um senhor e já não um rapaz” (“Balanço Inspirador”), nascido a “28 de Outubro de 1975, no Chamanculo, em Maputo” (http://videorapmoz.blogspot.com/2010/11/helder-leonel-biografia.html), Face Oculta é o decano do Hip-Hop Moz. E, claro, um dos seus artistas mais finos, mais claros, mais maduros e convincentes, e, definitivamente, dos pouquíssimos artistas reais que se podem encontrar.

Seus talentos na produção também são notórios. Talentos que apareceram sedutoramente expostos na música “Amor Real”, “um som ‘light’ produzido por si, com a participação de Xixel nos coros, que mostrava uma nova fase da sua vida em termos de relações e uma tendência para o Hip Hop Jazz” (http://videorapmoz.blogspot.com/2010/11/helder-leonel-biografia.html).

A terceira música do pacote, “A Fúria das Águas”, é uma obra-prima do Hip-Hop Moçambicano. Emergida da, hoje clássica, compilação Atenção: Desminagem! da Kandonga, de 2003, nessa música Face Oculta leva-nos ao ambiente rural de uma localidade de Xai-Xai, província de Gaza, e descreve, magistralmente, a jornada épica de uma mulher grávida que, tendo perdido todo o pouco que possuía, incluindo casa e um lugar onde pisar, por conta das cheias, culmina com o parto dramático feito em cima de uma árvore (mafurreira), e termina com a mediatização dessa jornada por parte dos mídia e políticos. Baseada em factos reais, a instrumental minimalista, seca, dura, e a atmosfera rural sonora recriam assustadoramente aquele mês de Fevereiro do ano 2000 e dão vida à uma obra-prima que celebra a perseverança do espírito humano e a criatividade única da Face Oculta. Uma obra-prima absoluta que, em 2003, elevou o Hip-Hop moçambicano para um outro nível e que se afirma com o passar do tempo.

por Niosta Cossa